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  • dezembro 13, 2021
  • admin

Covid-19: a pandemia impactou o trabalho e a saúde mental das mulheres da Rede Solidária

A pandemia da Covid-19 afetou diretamente a dinâmica de muitos trabalhos e empregos no Brasil e em todo o mundo. A necessidade de isolamento social e o medo do contágio fizeram com que muitas pessoas se recolhessem para preservar suas vidas e a de outras pessoas. As associações que constroem o Projeto Rede Solidária de Mulheres de Sergipe, realizado pela Associação de Catadoras de Mangaba de Indiaroba (Ascamai) em parceria com a Petrobras e o apoio da Universidade Federal de Sergipe (UFS), também tiveram seus trabalhos afetados com a perda de clientes e a baixa produção.

Dentro das associações, as mulheres da Rede que fazem produtos derivados da mangaba e de outros trabalhos artesanais encontraram dificuldades para sobreviver durante a pandemia. “Somos acostumadas a trabalhar com o público, conversar olho no olho, contar nossa história, e a pandemia nos atrapalhou também nisso. Como não temos acesso à internet aqui na nossa comunidade, também tivemos dificuldade com as vendas online, enquanto alternativa. Nossa produção praticamente parou. Tudo isso está sendo muito difícil, não vejo a hora de passar essa pandemia, de a gente voltar a encontrar nossas companheiras, nossas amigas e voltar a trabalhar como antes”, disse Karina Vanessa Alves, catadora de mangaba do Povoado Manuel Dias, em Estância.

Para Mirsa Barreto, coordenadora do Projeto, o isolamento social interrompeu um ciclo importante de avanço na experiência das mulheres com a economia solidária e com a organização do trabalho coletivo. “Visitando as comunidades, o que eu tenho visto é que a pandemia realmente afetou o trabalho delas. Porque o trabalho delas é feito a partir das relações de afeto e confiança que são construídas, e a medida que essas relações se distanciam o trabalho se enfraquece. Então, o que eu vi, nesse caminhar de outubro até a data de hoje, é que há essa ruptura nas relações afeta diretamente o resultado do trabalho das mulheres”, afirmou.

As mulheres também relataram sequelas da pandemia em relação à saúde mental. “A pandemia acabou com o sonho de muita gente. Pessoas perderam o emprego, ficaram deprimidas, sem saber o que fazer, sem saber o que dar aos seus filhos, algumas adoeceram, ficaram deprimidas. E nós, como Rede, apoiamos essas mulheres. A ajuda não é só financeira, mas também em forma de acalento, de afeto”, disse Valdiene Vieira, pescadora, bacamarteira e mulher da Rede no Povoado Aguada, em Carmópolis.

Com o retorno das atividades do Projeto Rede Solidária de Mulheres, a expectativa é que as 400 mulheres cadastradas poderão contar com mais um apoio para reerguer suas vidas e, principalmente, reorganizar o trabalho coletivo. A volta das produções e a comercialização com o suporte do e-commerce renovam as esperanças daquelas que passaram por dificuldades de viver e sobreviver no momento pandêmico.

“O projeto vem com essa proposta de fortalecimento das associações, reconstruindo esse diálogo sobre a importância de compreender que o estatuto da associação, que foi criado por elas, é um documento muito importante e orientador para essas relações, para o funcionamento da associação. Então a proposta do projeto é essa de trabalhar o fortalecimento, dialogando, construindo junto, reconstruindo essas relações no que for possível, e abrindo caminhos para que elas tenham a esperança de dias melhores, inclusive nas produções para geração de renda”, completou Mirsa Barreto.

Gênero e pandemia no Brasil

É possível fazer um paralelo da realidade das mulheres da Rede Solidária com um contexto mais geral de muitas mulheres brasileiras, segundo o relatório publicado no ano passado pela Sempreviva Organização Feminista (SOF), que produziu o “Sem Parar: o trabalho e a vida das mulheres na pandemia”. De acordo com os dados do relatório, durante a pandemia, 40% das mulheres entrevistadas disseram que a sustentação de suas casas estava em risco. Apontando dificuldades em pagar as contas básicas, aluguel, o acesso a alimentos e a medicamentos.

Dessas mulheres que perderam seus trabalhos durante a pandemia, 58% são mulheres negras. Outro dado importante é que 61% das mulheres que procuraram a economia solidária como forma de sobrevivência também são negras, demostrando que a parcela da sociedade que já sobrevive em situação de desigualdade de oportunidades, foi ainda mais prejudicada com a perda de trabalhos durante a pandemia.

O IBGE apontou que até o terceiro trimestre de 2020, quase 8,5 milhões de mulheres saíram do mercado de trabalho. Além de todas as implicações que a Covid -19 trouxe para as relações de distanciamento entre as pessoas, o que afetou também a saúde mental de muitas mulheres, o aumento do tempo dentro de casa com suas famílias dobrou o trabalho doméstico, inclusive com os cuidados com o outro. De acordo com a SOF, pelo menos 50% das mulheres que responderam a pesquisa afirmaram ter passado a cuidar de alguém durante a pandemia, sejam familiares ou pessoas próximas.

Para a jornalista do Projeto, Agatha Cristie, os dados revelados em diversas pesquisas nacionais e internacionais sobre a relação entre as questões de gênero e a pandemia da Covid-19 refletem a realidade cotidiana vivida pelas mulheres antes da pandemia, mas que foi agravada e escancarou o sofrimento da maioria das mulheres em todo o mundo.

“Aqui no Brasil, a primeira vítima fatal da covid foi uma mulher negra, empregada doméstica, contaminada no próprio local de trabalha pela sua patroa, que chegou de viagem em outro país. De lá para cá, só vimos a violência doméstica aumentar, o desemprego atingir prioritariamente as mulheres, o aumento de casos de depressão, e as tarefas domésticas e de cuidado com idosos e crianças recair com ainda mais força sobre as mulheres, refletindo, inclusive, em jornadas de trabalho mais intensificadas e precarizadas. Essa é uma realidade que atravessa todas as mulheres, mas que impacta mais fortemente mulheres pobres, negras, e de comunidades tradicionais, como as catadoras de mangaba”, afirmou a jornalista.

*Foto tirada antes da pandemia. Crédito: Pedro Alexandre.